quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Êxodo: Deuses e Reis – uma reflexão

Muitas vezes nos deixamos levar pelo que nos é dito, e nem ao menos pensamos que aquilo que nos é passado pode ter um fundo de engano. E quanto mais sutil for este engodo, maior é a chance de admitirmos por verdade a mentira. Quando falamos sobre a Bíblia e seu conteúdo histórico, entretanto, devemos ter um cuidado redobrado, pois questões não apenas do campo acadêmico e
da fé estão em jogo, mas em alguns casos, a própria autoridade e confiabilidade das narrativas ali contidas.
Um dos maiores campos de batalha nas ciências bíblicas é a questão que envolve o Êxodo e o seu maior coadjuvante humano, Moisés. Ao assistirmos um desenho ou filme a respeito do assunto, podemos deixar passar questões tão sutis e despretensiosas num primeiro olhar, mas que fazem parte de todo um complexo labirinto que leva à conclusões desastrosas.
Muitos ao assistirem o “Príncipe do Egito”, por exemplo, mal prestarão atenção ao detalhe da trama estar baseada numa suposta contemporaneidade do herói Moisés e do faraó Ramsés II. Este elemento tão “irrelevante” trás consigo um complexo de conceitos que jazem no substrato de concepções que contrariam o texto bíblico.
Mas qual o problema disto?
Em primeiro lugar, se a interpretação aceita no “Príncipe do Egito” e no filme “Êxodo: Deuses e Reis” for tomada como verdadeira, então temos uma afronta ao testemunho bíblico de forma direta. Segundo ambas produções, o Faraó que teria vivido os eventos era Ramsés II. O seu reinado ocorreu entre 1304-1236 a.C. Já o texto bíblico aponta claramente para uma data mais antiga para o Êxodo, pois segundo 1 Re 6.1 nos é dito que “Quatrocentos e oitenta anos depois que os israelitas saíram do Egito, no quarto ano do reinado de Salomão em Israel, no mês de zive, o segundo mês, ele começou a construir o templo do Senhor”. Sabemos o ano da construção que é referido, 965 a.C.. Isto nos leva a uma saída do Egito em 1445 a.C., muito longe temporalmente a Ramsés. No livro de Juízes 11.26 temos outro importante texto que nos vale como referência cronológica. “Durante trezentos anos Israel ocupou Hesbom, Aroer, os povoados ao redor e todas as cidades às margens do Arnom...”. As palavras são de Jefté, juiz em Israel ca. 1100 a.C. Isto leva-nos novamente dentro do século XV a.C. Além disto, Atos 13.19-20 colocam os eventos do Êxodo também no século XV a.C.
Ainda falando de datas, se Ramsés era o Faraó contemporâneo de Moisés, o Êxodo ocorreu algo em torno de 1250-1220 a.C., o que traz complicações muito incômodas do ponto de vista arqueológico, já que a Estela de Merneptá (1236-1223 a.C.), faraó sucessor de Ramsés, datada de ca. 1231, afirma que ele conquistou Israel naquela data. Ora, como pode ter Merneptá conquistado um povo que nem ao menos teria entrado na Terra de Canaã ainda? Mesmo que aceitemos datas mais “flexíveis”, Israel estaria ainda na luta de conquista da Terra na época de Merneptá (ca. 1236 a.C. seria a outra opção para a entrada na Terra Prometida)! Além disto, Ramsés não poderia ser o faraó na época da fuga de Moisés pro deserto e o faraó do Êxodo, conforme as adaptações do cinema, pois segundo a Bíblia, são pessoas distintas (Ex 2.23).
O contexto histórico egípcio e mundial apoiam uma data no século XV a.C. Todo o fundo em que aparece a narrativa se aplica de forma mais suave se levarmos em conta a data mais tardia. Detalhes que vão deste a referida “filha de Faraó” até às condições políticas internas no Egito e no Oriente Médio nos apontam para longe de Ramsés.
Mas não apenas na questão cronológica que um faraó Ramsés no Êxodo traz problemas! Outras ideias muito mais perniciosas vêm junto com a “teoria Ramsés”. E elas afetam diretamente todo o núcleo da fé e da historicidade bíblica.
Porém quem se importa? O importante é crer, não é?
Mesmo que seja no engano???
Cento e cinquenta anos atrás, riram de Darwin nos círculos eclesiásticos... Anos depois, a Igreja teve que se envolver numa guerra contra o darwinismo. E nós? Será que tudo é tão irrelevante assim? Será que estes “detalhes acadêmicos” não terão repercussão na vida e na fé? A História nos mostra que pequenos e imperceptíveis desvios da verdade acabam por fazer naufragar toda uma geração...

Continuaremos a apresentar outros pontos nos próximos posts sobre por que a “Teoria Ramsés” é perigosa.

Leialdo Pulz

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